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Ana Cristina Ferreira Antunes

48 anos Pulmão, 2006, Familiar
Este ano civil está a terminar. Como foi doloroso viver cada um dos dias que passaram. Quando olho para trás, vejo que estando viva, quis deixar de existir. Não que fosse capaz de tomar alguma atitude para deixar de viver. Não pelos meus filhos. E quero acreditar, não por mim também. Hoje estou determinada. A partir do próximo ano voltarei a tentar ser como era antes de o cancro ter minado todos os meus alicerces. Fisicamente, continuo a ser a mesma, mas já não sou igual. Durante muitos meses e anos (poucos) consegui manter a minha essência. Apesar da dor, a minha motivação era ajudar os meus filhos a manterem-se no seu percurso de vida. A continuarem a estudar, a ter amigos, a crescer física e espiritualmente e, com esse crescimento, a reforçarem ainda mais os laços familiares. Acho que nesse aspeto, felizmente, fui bem-sucedida. O meu erro foi ter-me esquecido de mim. Foi pensar que era forte e que por eles seria capaz de adiar a minha dor. Com essa prioridade consegui não deixar sair as lágrimas que me toldavam o olhar e o grito que tantas vezes me afogava. Pensei em tudo. Pensei em todos. Esqueci-me de mim. Com isso só consegui enresinar-me por dentro. A alegria e paixão de viver foram substituídas pela resignação e pelo medo de arriscar. Limitei-me aos trilhos seguros. Limitei-me a estar onde era preciso, não me dando oportunidade de viver e de reforçar a minha estrutura. Com isso fui-me destruindo. Fechei-me para o mundo. Para além dos meus familiares e amigos, não deixei entrar mais ninguém de novo. Seria a raiva de toda a vida me ter dado tanto, a todos, e a vida me ter roubado a minha outra metade? Seria a ilusão de pensar que, dessa forma, iria manter o meu marido vivo? Não sei o que foi, mas sei que dessa forma não posso continuar. É demasiado doloroso viver assim. No próximo ano vou-me dar a oportunidade de voltar a apaixonar-me por uma ideia ou por um projeto. Vou voltar a sentir prazer nas pequenas coisas. Aquelas que antes me faziam ser tão autêntica e generosa. Vou dar-me mais. Vou viver. Prometo.
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