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Ana Cristina Ferreira Antunes

46 anos Pulmão, 2007, Familiar
Quando o meu marido me disse que tinha um tumor no pulmão senti o mundo a desabar. A vida continuava lá fora, da nossa casa, da nossa família, mas já não era igual. O sol continuava a brilhar mas já não nos aquecia. O vento, os prédios, as estradas, os carros, as pessoas, tudo continuava como sempre esteve, mas já não fazia sentido. Já nada brilhava. Já nada me alegrava. Como é que podia sentir-me tão pesada e andar tão nas nuvens? Como é que podia sentir-me tão sufocada e ainda continuar a respirar e a andar e a trabalhar. Tudo o que imaginámos que poderíamos vir a fazer, todos os objectivos que tínhamos para o futuro, todos os sonhos adiados à espera de melhores dias, tudo tinha ficado parado. O meu horizonte temporal ficou mais pequeno e mais assustador. Por vezes quando pensava no futuro via-me como um velho sem abrigo, de barbas brancas, só no mundo. Outras vezes, sentia que para mim não havia futuro. Depois, com o tempo, fui-me habituando à ideia, aos sintomas, aos efeitos secundários dos tratamentos, ao medo, às limitações e até cheguei a dizer, não sei se para me convencer, se para convencer os outros, que afinal se podia viver com o cancro. É claro que se pode viver com o cancro, só que já não se vive da mesma forma, daquela forma ingénua e inocente. Agora já sabíamos e sabemos como a vida pode ser traiçoeira. Quem é que quer olhar para os olhos dos seus filhos e ver neles o medo a dor e a incerteza? Quem é que quer sofrer e ver sofrer da forma como se sofre quando se tem cancro? Penso que ninguém. Por isso, armei-me de armas e bagagens e fui à luta. Tudo serviu para proteger a minha família. Na casa, algumas paredes foram pintadas de cores coloridas, alguns móveis mudaram de lugar, as mesas de refeição passaram a estar mais vezes enfeitadas e bem decoradas, as comidas passaram a ser mais coloridas e convidativas, viajámos, lemos, passeámos, amámo-nos, entregámo-nos a pequenos prazeres e sempre que possível mantivemos o sorriso na cara. Apesar da dor que nos afogava, engolimos as lágrimas e apoiámo-nos nos familiares, amigos e profissionais de saúde, numa luta desenfreada para nos mantermos à tona e assim fomos vivendo. Infelizmente passados dois anos e oito meses, o meu marido partiu. Deixou de estar presente nas nossas vidas tal como estávamos habituados, para passar a estar com cada um de nós, nos nossos pensamentos e corações. Às vezes espreita e mostra-se através de um sorriso, de uma expressão ou de uma frase de qualquer um dos nossos filhos ou de outro familiar mais próximo. Como é bom lembrá-lo, que saudades que eu tenho dele. Como é que vou conseguir viver sem o seu apoio, sem a minha outra metade. Desde que ele partiu que eu mudei. Por vezes acho que estou louca. Será que isto é normal? Passei a conduzir devagar como ele tanto me recomendava, passei a reagir da forma como ele reagia. Deixei a impulsividade de lado e vivo a vida com menos garra. Uns dias são quase normais e outros não são nada, mas isso faz parte do luto. Por isso vou vivendo um dia de cada vez até descobrir que a dor passou a ser suportável e que a vida continua. Força para todos.
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