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Anabela Cardoso

48 anos Cérebro, 2010, Familiar
A doença oncológica sempre me aterrorizou. O meu pai, falecido há 19 anos, teve uma leucemia linfocítica crónica. Doente cardíaco, os médicos nunca o quiseram operar. Adorava o meu pai, mas o ano passado tive a experiência mais dolorosa da minha vida. O meu marido, 48 anos, companheiro há 32 anos, foi vítima de um glioblastoma multiforme. E que doença horrível. De repente, um homem saudável, com uma vitalidade e uma alegria de viver imensa ficou incapacitado de forma irremediável. No dia 6 de janeiro de 2010, depois de começar a trocar sílabas e de um episódio de convulsões, deu entrada, já inconsciente, no hospital. Nesse dia os médicos apontaram para um AVC. Passadas 48 horas fez nova TAC e houve suspeita de que não se tratava de AVC. Em 12 de janeiro foi reencaminhado para fazer uma ressonância que confirma suspeitas de um tumor cerebral, um possível glioma de alto grau. Ainda assim, só a 10 de fevereiro foi operado, por médicos reconhecidos na especialidade. Nessa altura não conseguia expressar-se e entender a maior parte do que se dizia, e estava com paralisia do lado direito. O exame feito na véspera da operação revelou um aumento brutal do tumor. Na altura disseram-me que a operação tinha corrido bem e que o tumor tinha sido totalmente removido. O meu marido melhorou, recuperou o movimento do braço e perna, mas continuou a ter dificuldade na fala e a trocar as sílabas. Passados uns dias, no dia da alta, veio o diagnóstico: glioblastoma multiforme. Percebi desde o início que a situação era grave, mas confesso que jamais pensei que fosse tão horrível. O facto de precisar de fazer radioterapia e quimioterapia claro que me fazia perceber que a situação era ainda mais grave do que pensava, mas ninguém compreendeu que precisava de mais explicações, de ajuda para tentar assimilar o que estava a acontecer. Ele, não sei o que conseguiu perceber. Não conseguimos comunicar. E durante 3 semanas, um dia por semana, fomos à consulta de oncologia. Nas últimas duas semanas a situação foi agravando. Recomeçaram os tremores do lado direito, a falta de força no lado direito, a dificuldade de comer sozinho, as confusões. O que me diziam na consulta era que só restava esperar pelo início do tratamento de radioterapia e quimioterapia e que estava a tomar os medicamentos possíveis. Na última consulta, uma sexta-feira, já o levei de cadeira de rodas. Mas voltámos para casa como se estivesse tudo a correr bem. O fim de semana que se seguiu foi pavoroso, ele deixou de falar, de controlar a urina, de comer, não tinha força para andar. Chamei os bombeiros e foi levado para as urgências. Depois de um dia nos corredores da urgência, o diagnóstico: o tumor estava novamente de volta, enorme, tanto ou mais como há um mês atrás. Não quiseram operar ou fazer radioterapia, mas fizeram 5 dias de temodal, sem esperar que fizesse efeito. No final do tratamento teria alta. Durante quase uma semana, permaneceu nesse hospital acamado, com sonda para se alimentar, sem falar, completamente dependente. Desesperada levei-o a outro hospital, à procura de outra opinião, de uma intervenção que lhe prolongasse a vida. Não foi possível. Sem outra solução, ficou internado nesse hospital nos cuidados paliativos. Não porque quisesse só cuidados paliativos, nunca o admiti, mas porque era um hospital com todos os recursos para outro tipo de tratamentos. Talvez devido aos efeitos dos 5 dias de temodal, o meu marido recuperou parte do movimento do braço e perna e ao fim de uns dias retiraram a sonda. Duas ou três vezes pareceu dizer um monossílabo. Sei que nos reconhecia e comunicávamos com o olhar, uma carícia. Comia melhor quando era eu a dar, nem que para isso demorasse uma hora. Nas, pelo menos 10 horas diárias, que passava com ele, nunca permitia que estivesse atado ou estivesse sujo e se alguma qualidade de vida teve nestes dias, isso deve-se ao facto de eu ou as nossas filhas estarmos presentes o tempo que era possível. Esteve nesse hospital até 18 de maio, dia em que parou de respirar depois de 6 dias de agonia. Foram tempos muito difíceis, de muito desespero, muito sofrimento, muita revolta. A não ser nos últimos dias, nunca quis acreditar que não havia uma solução. Foi tudo demasiado rápido. (…) Essencialmente, neste testemunho (…), queria dizer que acho importante continuar com todas as campanhas de prevenção e luta contra o cancro da mama ou do cólon que têm sido determinantes para a prevenção e tratamento destas doenças, mas outros tipos de cancro, como o tumor cerebral, precisam de maior investimento. (…) O glioblastoma é um tumor terrível com uma taxa de sobrevida muito baixa. Há muitas pessoas desesperadas a viver esta situação que precisam de ajuda. Nós lutámos, mas perdemos. Mas foi tudo tão abrupto que ainda não consegui assimilar, parece um pesadelo.
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