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Dulce Teixeira

17 anos Fígado, Familiar
Foi em criança, por volta dos 11 anos, que descobri que o meu pai estava doente. Na altura foram apenas dores de costas que o levaram a um internamento. E nesse internamento descobriu-se pneumonia. Da pneumonia descobriu-se a baixa de plaquetas. E qual a razão da baixa de plaquetas? Um cancro no fígado. Depois de todo o processo de descoberta da doença, das possíveis origens procedeu-se aos tratamentos. Apesar de ser uma adolescente forte emocionalmente, tudo me custou. Era tão jovem para ver o meu pai naquele estado. Era tão pequena, tão desprovida de conhecimento científico ou de saúde que fiquei sempre na incerteza do que podia fazer ou não. Não compreendia porque é que ele passava tanto tempo na cama, porque era rezingão, não compreendia porque é que os seus olhos me pareciam tão frágeis e tão doentes. E a mim ninguém me explicava o que era o cancro. Ninguém me dizia que era uma doença mortal, ninguém me apoiou quando eu descobri a verdade. Por amar o meu pai de forma que ninguém é capaz de compreender ganhei por ele toda uma mistura de sentimentos fortes e verdadeiros. Respeitava todas as suas decisões e ouvia todos os seus conselhos. Nunca o abandonei, nunca o deixei cair, mas tive sempre com ele uma relação de dúvida. Os seus olhos eram sempre frágeis e as feições quase cadavéricas que eu não compreendia os seus sorrisos. Não distinguia um sorriso doloroso de um sorriso verdadeiro. Talvez por isso não lhe dei todo o carinho que podia ter dado, talvez por isso não foi o suficiente. Não conseguia reconhecer o seu estado de dor e como tal não conseguia abraçá-lo. Tornei-me insensível e abstraída da realidade e do mundo. Deixei de ler jornais e de ver os telejornais para não ver as taxas de morte por cancro. E duvidei cada vez mais de que os tratamentos resultassem. Até que surgiu uma nova esperança. Um transplante hepático. Fui posta em causa como dadora, apesar de jovem e compatível, visto que o meu pai não precisava apenas de uma parte, mas de um todo. Então, entrámos num processo de espera. Sim, o meu pai foi um dos doentes em lista de espera por um transplante. Quão longa foi esta espera, foram 6 longos meses desde a data de proposta. Não funcionou. Rejeitou o fígado de outro ser humano. E eu caí num buraco. Entrou em falência orgânica e em infeção sistémica. Mas os médicos tentaram outra vez, no entanto rejeitou novamente. Veio a falecer numa sexta-feira 13, logo ele que não era nada supersticioso. Todo este processo causou-me uma tamanha frustração que ainda hoje a carrego, nunca fui capaz de manter com ele um discurso coerente. Quando o fui visitar, por várias vezes, aos cuidados intensivos, não era capaz de lhe tocar. E eu perdia uma parte de mim. Porém foi tudo feito por ele. Ele manteve-se de pé em todos os tratamentos e nunca baixou os braços. Ele perdia a força todos os dias mas nunca deixou de lutar. Nem eu, hoje sou responsável e madura, não corro riscos. Vivo na plena certeza de que o cancro atinge qualquer um de nós, que o cancro modifica qualquer pessoa. Ficará sempre uma cadeira vazia, mas, fica sempre uma mensagem: na luta encontra-se a vida. Obrigada.
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