Voltar

Fábio Fonseca

24 anos Linfoma Não Hodgkin, 2018, Doente
O medo.
Resumidamente, a essência do cancro é o medo. O cancro mata e isto não há como negar, mas o medo corroí-nos por dentro de uma forma irreversível e, sem nos apercebermos, entramos num jogo de - quase - demência em que tudo nos remete para um retorno da doença.
Parece assustador viver uma vida assim? - É! É muito!
Uma dor, uma comichão, um pelo que caiu, uma espinha, uma cólica... qualquer coisa. Basicamente é ter medo de tudo e de todos! Ter medo de voltar a respirar o cheiro do hospital e que este se torne a nossa segunda casa. Este medo que me entra pelos poros da pele sem controlo nenhum e sem qualquer sentido lógico... E vivo com este medo solitário, pois (e voltamos à palavra) temos medo que as pessoas que amamos voltem a ter medo pela nossa vida.
Agora, já numa fase mais calma e ao que parece vitoriosa, percebi claramente que já não sou o mesmo. O ontem não é o hoje. O amanhã não é o hoje. E o hoje... esse é o hoje e é vivido como se fosse o Último - digo que amo como se fosse a última vez que o fosse dizer; despeço-me sempre como se fosse um adeus e não como um até já; acabo o dia a pensar no que fiz e se está tudo feito. É algo que não controlo. É uma fração de segundos em que o negativismo aparece e que peço com todas as forças para que o “nunca” seja mais vezes um “até já”. Mas aquela fração de segundos tem um impacto tão grande, fazendo-me perceber que somos como uma gota de água de um rio: as margens marcam os nossos limites, andamos muitas das vezes à deriva e outras tantas nas profundezas, ora em águas agitadas ora em calmas. Depois temos as gotas que ficam pelo caminho por mais diversas razões: umas evaporadas pelo tempo, outras arrastadas e presas às margens, outras a viverem para criar vida e ajudar no crescimento de algo mais belo - somos passageiros do tempo onde não controlamos como entramos nem como saímos desta vida. A única certeza é que vai ser um caminho. Agora qual será o nosso destino? Esse não sabemos porque ele começa a ser definido bem antes de nascermos e só mais tarde temos a audácia de mudar algumas trajetórias.
E estes são os medos de uma pessoa saudável - não sabemos onde nem como vamos acabar esta corrida....
Agora imaginem o que é dizer a uma pessoa que já tinha medos (que todos nós temos) que a sua passagem por cá está em causa ou até mesmo numa contagem decrescente - É um terror!
Cada dia é vivido neste medo sombrio e solitário (por muito que se explique e se diga não se trata nem se apazigua) e que irá viver comigo para sempre - eu sei que será para sempre - mas lutarei para que ele tenha menos impacto em cada dia da minha vida. Embora o carinho e o amor que me é dado seja quase como um antídoto para este caos.
Positivismo é a palavra do dia. Resiliência também. E são estas duas palavras que se transformam em armas todos os dias.
 
Voltar

Outros Testemunhos

  • Só quem vive na pele sabe o sofrimento, a dor, o crescimento e a transformação.Ter o diagnostico de um linfoma este ano fez-me...Claudia Matos, 44 anos, Linfoma Não Hodgkin, 2019Ler mais
  • Sou a Dina, tenho 42 anos. Aos 22 anos tive o maior pesadelo da minha vida, sem saber o que me esperava um emagrecimento repentino, um cansaço...Dina Pascoal, 42 anos, Linfoma Não Hodgkin, 1996Ler mais
  • Há 30 anos venci um cancro que estava alojado na nasofaringe. (…)Consegui vencer o cancro e vou gerindo os efeitos colaterais da...Eugenia Lopes, 49 anos, Linfoma Não Hodgkin, 1989Ler mais
  • Olá!Ao ler ‘testemunhos’ fico sensibilizada com a vossa coragem…Mas depois fico a pensar que passei pelo mesmo (...) Só que eu não tive...maria regadas, 66 anos, Linfoma Não Hodgkin, 2010Ler mais
  • Página em branco, vazia de emoções. À nossa volta ouvimos histórias, vemos casos mas estão à distância de um instante que nos coloca a salvo de...Teresa Viegas, 35 anos, Linfoma Não Hodgkin, 2015Ler mais
  • Partilho este capítulo da minha vida com todos aqueles, que no desfolhar do livro das suas vidas, lhes foi diagnosticado um cancro. Palavra que nos abala e...Barbara Machado, 25 anos, Linfoma Não Hodgkin, 2010Ler mais
Apoios & Parcerias