Testemunhos QUEBRAR O SILÊNCIO
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Paulo Batista
54 anos Linfoma Hodgkin, 2006, Doente Julgo que a minha história poderá ajudar alguém doente e a sua família e também a demonstrar que o cancro não significa o fim.
Em 2011 publiquei na minha página do Facebook a seguinte nota que descreve sucintamente toda a minha história e o seu enquadramento.
"Os meus últimos 6 anos...para os meus filhos! …
18 de junho de 2011 às 03:01
Hoje pela 1ª vez tenho vontade de escrever no meu Facebook!
Vou afetar a minha imagem de tipo duro mas vou desabafar publicamente, e quero lá saber!.. Talvez ajude alguém.
Não quero também que tenham pena de mim.
Estou feliz!...e quero partilhar. Vou explicar o porquê:
Acabei ontem o 1º ano de mestrado de Pilotagem na Escola Náutica, o que não tem nada de especial, mas ao acabar tive uma sensação de mais uma etapa cumprida - apesar da minha experiência com o Marítimo ser curta - e ao fazer a retrospetiva, a minha sensação de felicidade foi-se acentuando, apesar de muita amargura também, à medida que passei em revista mental os meus últimos 6 anos.
Vou recordar cronologicamente:
Agosto de 2005 - Vínhamos de Barcelona, eu, a F. e os miúdos, o Pl. (13) e o Pd. (8). O J. (19) tinha ficado em Turquel. Declinei o convite do Voltregá - apesar de lhes ter dado uma semana de treinos - e ia embarcar pela 1ª vez daí a uma semana, aos 40 anos como praticante piloto depois de ter terminado o curso aos 24.
Pernoitámos em Madrid, íamos levar os miúdos ao parque da Warner Brothers.
A F. tem um AVC por rebentamento de um aneurisma cerebral.
Outubro de 2005 - Embarco no ROAZ como praticante piloto (tinha de fazer um ano de embarque), depois de um mês em Hospitais em Madrid e em Lisboa, a F. está em Alcoitão a iniciar a sua recuperação. O Comandante do Roaz é o Castro, meu colega de curso. Agradável surpresa. Mas esse tempo foi sempre com a cabeça nos miúdos e na F., internada. A minha mãe toma conta da casa.
Fevereiro de 2006 – Sou convidado para Selecionador Nacional para minha surpresa, e não se importam que eu esteja embarcado pois o tempo dedicado às provas internacionais é curto ao longo do ano.
Aceito até porque foi uma forma de compor as finanças, muito afetadas pela situação da F. e porque podia estar mais tempo em casa e acompanhá-la no Hospital. Esteve perto de 6 meses, a 1ª vez em Alcoitão.
Entre embarques e treinos quando estava de férias, lá fui andando.
Junho de 2006 – Sentia-me muito magro e fraco. Estava sempre a tossir. Pedi para desembarcar. Fui fazer exames médicos.
Estava a 5 dias para iniciar a preparação para o Europeu de Monza, e veio o diagnóstico final, entretanto já esperado, de um Linfoma de Hodgkin no último estágio 4B, o mais grave.
Mantém-se o selecionador – Na Federação de Patinagem de Portugal (FPP) foram impecáveis – e mantém-se a preparação para o Europeu e inicio um tratamento de 8 meses de quimioterapia.
Começo logo a melhorar e fazemos o Europeu, ficamos em 3º lugar depois de termos sido eliminados pela Espanha ma meia-final, a vencedora.
Iniciou-se a renovação da Seleção e a sensação é de satisfação geral.
Continuo os tratamentos, interrompo os embarques – fico com metade do tempo de praticante, 6 meses – e sou selecionador, agora mais resguardado pois tento me proteger.
Acabam-se os tratamentos em Abril de 2007, na altura do torneio de Montreux.
Mas tenho uma má notícia: é diagnosticado ao meu Pai um cancro no estômago.
Entretanto na FPP os elogios sucedem-se: dão-me a Seleção de Juniores. Aumentam-me o vencimento.
No Torneio de Montreux vamos à final com a Espanha, depois de na fase regular termos empatado e perdemos na final por 3-0, com golos só na 2ª parte.
Sensação de satisfação e esperança pois jogámos sem os jogadores do Porto e no Mundial, que seria daí a 2 meses, eles estariam lá.
O estado do meu Pai agrava-se e a F. continua a recuperar embora muito afetada fisicamente com uma hemiparesia esquerda que lhe dá uma incapacidade total de 78%.
A minha doença está em remissão, os tratamentos fazem efeito mas nunca se sabe, as recidivas são frequentes.
O Mundial em Julho corre mal. Deceção total e sabendo as regras do jogo saio da Federação e felizmente arranjo logo embarque, agora numa companhia norueguesa, a United European Car Carriers (UECC).
No meu 1º embarque na nova companhia o meu Pai morre, em Agosto de 2007.
Volto a embarcar, a F. continua a recuperar. A minha mãe ajuda. Os miúdos fazem o seu percurso normal. Sabe-se lá como esteve em determinadas alturas, o seu estado de espírito.
Entre embarques e férias vou acompanhando o que se passa em casa.
Maio de 2008 - Adquiro a categoria de 2º Piloto – Oficial Chefe de Quarto.
Já posso trabalhar em qualquer parte do Mundo, já não dependo do Hóquei para sustentar a minha família.
Setembro de 2008 – O meu avô morre. Lembro-me que nessa noite chorei bastante. Lembrei-me de tudo e de todos...
Continuo na UECC até Dezembro de 2008 altura em que recebo um convite do Candelária e como a UECC se prepara para encostar navios, após ponderação, aceitei o convite do Candelária aproveitando para sair a bem da UECC.
Lá fui para os Açores, o Candelária estava em 11º lugar, acabou em 5º na fase regular, tendo descido para 6º após os Playoff's.
Soube-me muito bem esta temporada no Candelária.
Entretanto ao E., meu padrasto, é diagnosticado um cancro nos pulmões, vai começar a fazer tratamentos.
Retorno a casa para as férias depois de ter renovado com o Candelária por mais um ano. Ia fazer um exame de controlo no IPO.
Resultado do exame: o Linfoma voltou - vou ter de fazer um autotransplante de medula óssea.
O Candelária mantém-me como treinador. Faço tratamentos preparatórios de uma semana e vou duas vezes para os Açores. Isto é, 4 vezes seguidas até interromper durante 2 meses e esperar pelo transplante que será em dezembro.
Na interrupção do campeonato no Natal, sou novamente internado agora para fazer o transplante. Corre tudo bem após 3 semanas de isolamento.
Fico uma semana e meia ainda em casa. E junto-me à equipa num jogo no continente.
Armo-me em herói e vou para os Açores.
É evidente que passados dois meses de muitas febres e constipações, não aguento o Inverno do Pico. Tenho de pedir a rescisão ao Candelária e vir-me embora. O transplante deitou-me a abaixo apesar de eu ter feito uma fuga para a frente.
O Candelária esteve sempre ao meu lado. Não esqueço aquele Clube.
A equipa está a lutar pelo 2º lugar. Sinto esse orgulho, depois de ter chegado lá com a equipa em 11º lugar.
Entro de baixa, e em Setembro de 2010 decido fazer o 1º ano do mestrado de Pilotagem para poder progredir na carreira como Oficial Náutico, após um convite do Turquel para treinar a sua equipa.
Aproveitaria para recuperar totalmente, ficando um ano em casa e a tirar o mestrado, até porque tinha muito que recuperar fisicamente.
O Inverno é difícil, especialmente a ir todos os dias para Paço de Arcos. Fiquei muitas vezes febril e com falta de ar, sintomas ainda de uma não total recuperação, ao mesmo tempo que dou treinos em Turquel à noite.
Em janeiro de 2011 o E. morre.
O Turquel não subiu de divisão por um ponto. Foi uma época enriquecedora com jogadores menos consagrados, mas iguais a todos os outros e que deram tudo para fazerem o que lhes pedi.
Acabei ontem o 1º ano do mestrado. Senti-me bem.
Entretanto… os meus filhos cresceram: o J. licenciou-se, o Pl. entrou para Medicina e acabou o 1º ano hoje, o Pd. está na senda, a F. melhorou.
Lembrei-me dos meus irmãos S. e C. (que só conheci quando tinha 16 anos), da minha Mãe R., da minha Mãe (sim tenho duas mães, depois explico…), dos meus Tios H. e C., e de muitas mais pessoas de que gosto bastante e que me marcaram na minha vida.
Lembrei-me do meu Pai e do E., e do meu avô V.. Sinto muitas saudades.
Lembrei-me de Fernando Pessoa: “Pedras no caminho? Apanho todas, no final construo um Castelo!”
Por isso, sinto-me bastante feliz, porque os meus filhos sabendo que o Pai deles tem muitos defeitos, podem dizer que foi à luta!
Amo-vos, filhos! Vocês são o meu Castelo!"
O texto é de 2011, desde aí dediquei-me à minha profissão e à família. Hoje sou Comandante de um navio de passageiros no Funchal e temos os três filhos formados (ou praticamente, pois faltam 2 anos ao mais novo para concluir o curso).
Que ajude alguém.
Em 2011 publiquei na minha página do Facebook a seguinte nota que descreve sucintamente toda a minha história e o seu enquadramento.
"Os meus últimos 6 anos...para os meus filhos! …
18 de junho de 2011 às 03:01
Hoje pela 1ª vez tenho vontade de escrever no meu Facebook!
Vou afetar a minha imagem de tipo duro mas vou desabafar publicamente, e quero lá saber!.. Talvez ajude alguém.
Não quero também que tenham pena de mim.
Estou feliz!...e quero partilhar. Vou explicar o porquê:
Acabei ontem o 1º ano de mestrado de Pilotagem na Escola Náutica, o que não tem nada de especial, mas ao acabar tive uma sensação de mais uma etapa cumprida - apesar da minha experiência com o Marítimo ser curta - e ao fazer a retrospetiva, a minha sensação de felicidade foi-se acentuando, apesar de muita amargura também, à medida que passei em revista mental os meus últimos 6 anos.
Vou recordar cronologicamente:
Agosto de 2005 - Vínhamos de Barcelona, eu, a F. e os miúdos, o Pl. (13) e o Pd. (8). O J. (19) tinha ficado em Turquel. Declinei o convite do Voltregá - apesar de lhes ter dado uma semana de treinos - e ia embarcar pela 1ª vez daí a uma semana, aos 40 anos como praticante piloto depois de ter terminado o curso aos 24.
Pernoitámos em Madrid, íamos levar os miúdos ao parque da Warner Brothers.
A F. tem um AVC por rebentamento de um aneurisma cerebral.
Outubro de 2005 - Embarco no ROAZ como praticante piloto (tinha de fazer um ano de embarque), depois de um mês em Hospitais em Madrid e em Lisboa, a F. está em Alcoitão a iniciar a sua recuperação. O Comandante do Roaz é o Castro, meu colega de curso. Agradável surpresa. Mas esse tempo foi sempre com a cabeça nos miúdos e na F., internada. A minha mãe toma conta da casa.
Fevereiro de 2006 – Sou convidado para Selecionador Nacional para minha surpresa, e não se importam que eu esteja embarcado pois o tempo dedicado às provas internacionais é curto ao longo do ano.
Aceito até porque foi uma forma de compor as finanças, muito afetadas pela situação da F. e porque podia estar mais tempo em casa e acompanhá-la no Hospital. Esteve perto de 6 meses, a 1ª vez em Alcoitão.
Entre embarques e treinos quando estava de férias, lá fui andando.
Junho de 2006 – Sentia-me muito magro e fraco. Estava sempre a tossir. Pedi para desembarcar. Fui fazer exames médicos.
Estava a 5 dias para iniciar a preparação para o Europeu de Monza, e veio o diagnóstico final, entretanto já esperado, de um Linfoma de Hodgkin no último estágio 4B, o mais grave.
Mantém-se o selecionador – Na Federação de Patinagem de Portugal (FPP) foram impecáveis – e mantém-se a preparação para o Europeu e inicio um tratamento de 8 meses de quimioterapia.
Começo logo a melhorar e fazemos o Europeu, ficamos em 3º lugar depois de termos sido eliminados pela Espanha ma meia-final, a vencedora.
Iniciou-se a renovação da Seleção e a sensação é de satisfação geral.
Continuo os tratamentos, interrompo os embarques – fico com metade do tempo de praticante, 6 meses – e sou selecionador, agora mais resguardado pois tento me proteger.
Acabam-se os tratamentos em Abril de 2007, na altura do torneio de Montreux.
Mas tenho uma má notícia: é diagnosticado ao meu Pai um cancro no estômago.
Entretanto na FPP os elogios sucedem-se: dão-me a Seleção de Juniores. Aumentam-me o vencimento.
No Torneio de Montreux vamos à final com a Espanha, depois de na fase regular termos empatado e perdemos na final por 3-0, com golos só na 2ª parte.
Sensação de satisfação e esperança pois jogámos sem os jogadores do Porto e no Mundial, que seria daí a 2 meses, eles estariam lá.
O estado do meu Pai agrava-se e a F. continua a recuperar embora muito afetada fisicamente com uma hemiparesia esquerda que lhe dá uma incapacidade total de 78%.
A minha doença está em remissão, os tratamentos fazem efeito mas nunca se sabe, as recidivas são frequentes.
O Mundial em Julho corre mal. Deceção total e sabendo as regras do jogo saio da Federação e felizmente arranjo logo embarque, agora numa companhia norueguesa, a United European Car Carriers (UECC).
No meu 1º embarque na nova companhia o meu Pai morre, em Agosto de 2007.
Volto a embarcar, a F. continua a recuperar. A minha mãe ajuda. Os miúdos fazem o seu percurso normal. Sabe-se lá como esteve em determinadas alturas, o seu estado de espírito.
Entre embarques e férias vou acompanhando o que se passa em casa.
Maio de 2008 - Adquiro a categoria de 2º Piloto – Oficial Chefe de Quarto.
Já posso trabalhar em qualquer parte do Mundo, já não dependo do Hóquei para sustentar a minha família.
Setembro de 2008 – O meu avô morre. Lembro-me que nessa noite chorei bastante. Lembrei-me de tudo e de todos...
Continuo na UECC até Dezembro de 2008 altura em que recebo um convite do Candelária e como a UECC se prepara para encostar navios, após ponderação, aceitei o convite do Candelária aproveitando para sair a bem da UECC.
Lá fui para os Açores, o Candelária estava em 11º lugar, acabou em 5º na fase regular, tendo descido para 6º após os Playoff's.
Soube-me muito bem esta temporada no Candelária.
Entretanto ao E., meu padrasto, é diagnosticado um cancro nos pulmões, vai começar a fazer tratamentos.
Retorno a casa para as férias depois de ter renovado com o Candelária por mais um ano. Ia fazer um exame de controlo no IPO.
Resultado do exame: o Linfoma voltou - vou ter de fazer um autotransplante de medula óssea.
O Candelária mantém-me como treinador. Faço tratamentos preparatórios de uma semana e vou duas vezes para os Açores. Isto é, 4 vezes seguidas até interromper durante 2 meses e esperar pelo transplante que será em dezembro.
Na interrupção do campeonato no Natal, sou novamente internado agora para fazer o transplante. Corre tudo bem após 3 semanas de isolamento.
Fico uma semana e meia ainda em casa. E junto-me à equipa num jogo no continente.
Armo-me em herói e vou para os Açores.
É evidente que passados dois meses de muitas febres e constipações, não aguento o Inverno do Pico. Tenho de pedir a rescisão ao Candelária e vir-me embora. O transplante deitou-me a abaixo apesar de eu ter feito uma fuga para a frente.
O Candelária esteve sempre ao meu lado. Não esqueço aquele Clube.
A equipa está a lutar pelo 2º lugar. Sinto esse orgulho, depois de ter chegado lá com a equipa em 11º lugar.
Entro de baixa, e em Setembro de 2010 decido fazer o 1º ano do mestrado de Pilotagem para poder progredir na carreira como Oficial Náutico, após um convite do Turquel para treinar a sua equipa.
Aproveitaria para recuperar totalmente, ficando um ano em casa e a tirar o mestrado, até porque tinha muito que recuperar fisicamente.
O Inverno é difícil, especialmente a ir todos os dias para Paço de Arcos. Fiquei muitas vezes febril e com falta de ar, sintomas ainda de uma não total recuperação, ao mesmo tempo que dou treinos em Turquel à noite.
Em janeiro de 2011 o E. morre.
O Turquel não subiu de divisão por um ponto. Foi uma época enriquecedora com jogadores menos consagrados, mas iguais a todos os outros e que deram tudo para fazerem o que lhes pedi.
Acabei ontem o 1º ano do mestrado. Senti-me bem.
Entretanto… os meus filhos cresceram: o J. licenciou-se, o Pl. entrou para Medicina e acabou o 1º ano hoje, o Pd. está na senda, a F. melhorou.
Lembrei-me dos meus irmãos S. e C. (que só conheci quando tinha 16 anos), da minha Mãe R., da minha Mãe (sim tenho duas mães, depois explico…), dos meus Tios H. e C., e de muitas mais pessoas de que gosto bastante e que me marcaram na minha vida.
Lembrei-me do meu Pai e do E., e do meu avô V.. Sinto muitas saudades.
Lembrei-me de Fernando Pessoa: “Pedras no caminho? Apanho todas, no final construo um Castelo!”
Por isso, sinto-me bastante feliz, porque os meus filhos sabendo que o Pai deles tem muitos defeitos, podem dizer que foi à luta!
Amo-vos, filhos! Vocês são o meu Castelo!"
O texto é de 2011, desde aí dediquei-me à minha profissão e à família. Hoje sou Comandante de um navio de passageiros no Funchal e temos os três filhos formados (ou praticamente, pois faltam 2 anos ao mais novo para concluir o curso).
Que ajude alguém.
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