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               prescreveu-me a realização de uma outra TAC à laringe. Esta revelou um espes-
               samento suspeito na corda afetada, a recomendar uma «raspagem» (descortica-
               ção), com subsequente análise histológica dos tecidos recolhidos.
                     Da conversa que mantive com o anestesista ainda na sala de recobro, con-
               cluí que, segundo este, a causa do espessamento que me tinha sido removido
               deveria ter que ver com o facto de eu ter sido um fumador, até que, há cerca de
               oito anos, abandonara o vício do tabaco.
                     No dia seguinte, 2 de março, o meu cirurgião, instado por mim, informou-
               -me ter feito com êxito a «limpeza» que se tinha proposto, mas que, de facto, re-
               tirara uma pequena «massa» que lhe tinha levantado suspeitas.
                     Devido à minha insistência, fiquei a saber que, no caso de o resultado ser
               mau, haveria que fazer uma de duas coisas: ou a «recessão» (corte) da corda vo-
               cal afetada, o que me provocaria rouquidão e limitações vocais para o resto da
               vida, embora não me privasse da voz; ou a sujeição a tratamentos de radioterapia,
               de resultados incertos. O médico manifestou preferência pela primeira solução.
                     Mais me disse que o resultado da análise costumava demorar entre 15 dias
               e três semanas, tendo, no entanto, sido pedida urgência. Também ficou combi-
               nado que o cirurgião telefonaria para nossa casa, logo que tivesse conhecimen-
               to do resultado.
                     Começaram então a decorrer alguns dos dias mais difíceis que vivi até
               hoje. A ansiedade ia aumentando à medida que o tempo passava. Sempre que
               o telefone tocava, era um aperto no coração ou no estômago (seria antes um
               frio na espinha?) que só poderá ser compreendido por quantos já passaram por
               situações semelhantes.
                     Se, por um lado, queria estar fora de casa, o certo é que, ao regressar, se
               apossava de mim um medo quase físico das notícias que poderia receber. Mas,
               apesar da minha angústia, não deixava de ter sempre uma esperança – que, por
               vezes, excedia mesmo o meu relativo pessimismo – de poder ouvir da boca da
               minha mulher uma boa nova, acompanhada de uma repreensão amável por ser
               casada com «um homem sem fé, sempre dominado pela desconfiança e por uma
               visão negativa da vida».
                     Por vezes, prolongava até à exaustão os meus passeios e, assim, também o
               tempo de ausência de casa. Esperava receber nos locais que frequentava habitual-
               mente (o café, o restaurante ou, até, o barbeiro), uma notícia que me aliviasse o
               sofrimento moral em que mergulhara. Ao voltar a casa, olhava desconfiado para
               a minha mulher, tentando desvendar nos seus traços o sinal de alguma (má) no-
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