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            evolução acentuadamente negativa. Eu atribuía as minhas dificuldades orais ao
            facto de ter perdido uma corda vocal.
                  Era observado com regularidade pelo meu cirurgião no seu consultório,
            saindo invariavelmente com o diagnóstico de que estava «tudo bem». Até que, já
            no começo de 2010, a qualidade da minha voz, sensivelmente deteriorada de-
            pois da operação, começou a piorar. No entretanto, conheci pessoas que, ten-
            do também sofrido a excisão de uma corda vocal, falavam quase normalmente.
            Além disso, passei a sentir que me cansava mais a andar ou a fazer outro tipo
            qualquer de atividade física. Atribuía isso ao facto de ter ganho peso nos últi-
            mos tempos. Alimentava-me bem e reduzia o exercício, sendo que tudo contri-
            buía para engordar. Daí que, pensava eu, me cansasse cada vez mais depressa!
                  Faço um parêntesis para reconhecer que, enquanto doente que vivia (e
            continua a viver) permanentemente preocupado com a possibilidade de piorar,
            sentia (e continuo a sentir) uma clara tendência para atribuir todos os maus sin-
            tomas a razões tranquilizadoras e aparentemente lógicas. Trata-se, no fundo, de
            um modo de fugir à realidade temida, não encarando a raiz mais profunda dos
            males que nos vão afligindo.
                  Voltei a procurar a ajuda de uma terapeuta da fala. Ao tempo, os serviços
            sociais do Ministério da Justiça tinham um protocolo com o Hospital da CuF. Foi
            na CuF Infante Santo que tentei melhorar a qualidade da minha comunicação
            oral. A terapeuta, invocando a necessidade de um melhor conhecimento da minha
            situação clínica, pediu-me que lhe mostrasse um exame imagiológico. Disse-lhe
            que não dispunha de nenhuma imagem, a não ser da fase pré-operatória, uma
            vez que o acompanhamento por parte do cirurgião era feito através de observa-
            ções com a utilização de um espelho. Propôs-me então que fosse observado no
            Laboratório da Voz, por uma médica otorrino que trabalhava no mesmo Hospital.
                  Lembro-me como se fosse hoje. Numa manhã muito quente do verão de
            2010, mais concretamente no dia 23 de julho – no decurso do exame no Labo-
            ratório da Voz, na presença de minha mulher e da terapeuta da fala, bem como
            dos técnicos auxiliares –, a Dr.ª Maria Caçador interrompeu o silêncio com que
            efetuava a observação e, com ar sério e tom imperativo, ordenou: «Quero uma
            TAC para ontem!». Caiu-me a alma aos pés. O teor das palavras da médica não
            deixava margem para qualquer dúvida. O diagnóstico estava feito e a minha vida
            mudou nesse dia.
                  Já em poder da TAC e do respetivo relatório, confirmada a recidiva, co-
            nheci e fui observado pelo Dr. Hugo Estibeiro, o cirurgião que me viria a operar.
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