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2. o «durante»
2.1. A perda da voz
Como se sabe, a laringectomia é uma cirurgia mutiladora que obriga a um
período longo de internamento hospitalar (no meu caso, foram 16 dias). Dela
resultam várias limitações, a mais grave das quais é a perda da voz. É fácil ima-
ginar o sentimento de perda, o desânimo e a impotência do doente que se vê
desprovido do principal instrumento de comunicação, que é a fala. De facto,
com a cirurgia perde-se esta ferramenta de comunicação, este instrumento de
persuasão, de argumentação e até… de sedução.
Eu não falava, mas escrevia! Na verdade, tendo presente a importância da
«palavra», a «solução» imediata consistiu no recurso à comunicação por escrito,
sem prejuízo do uso dessa outra forma de comunicar, que é o gesto. Durante o
tempo de internamento preenchi três grossos cadernos, além de me servir, para
mensagens mais breves, de um daqueles quadros utilizados pelas crianças para
escreverem e apagarem palavras, mediante a simples ativação de um dispositivo.
Nesses cadernos formulei perguntas, deixei recados, fiz reflexões, ma-
nifestei angústias, pedi informações. Mas todos conhecemos as limitações da
comunicação por escrito. São dificuldades de leitura – resultantes da própria
compreensão da caligrafia – e de apreensão ou interpretação do sentido da
mensagem manuscrita, às quais acresce o tempo que medeia entre o ato de
escrever e a resposta que se solicita e aguarda. Tratando-se de questões sen-
síveis, estas mensagens requerem um atendimento urgente, de tal modo que
o stress inerente à situação, em si mesma delicada, é agravado pelo tempo
de espera.
Guardo esses cadernos porque podem ajudar a fazer o levantamento das
principais necessidades e urgências dos laringectomizados como eu.
2.2. Pequena amostra do que «escrevi quando não falava»
um dos maiores sustos que sofri no pós-operatório resultou da obstru-
ção da cânula por rolhões (secreções grossas com sangue) que, ao soltarem-se,
tapam a passagem do ar e dificultam ou impedem a respiração. Recordo que
as cânulas usadas por mim durante o período de internamento eram duplas, rí-