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               prótese fonatória – já implantada – e também por uma voz alternativa assegura-
               da pelo ar do estômago (e que por isso tem o nome de «esofágica»).
                     Recordo com enlevo o momento em que o meu marido conseguiu dizer
               «bom dia», quando o médico lhe tapou o estoma com uma compressa e o con-
               vidou a falar. Era tempo de encarar o futuro e de aceitar reaprender a falar, com
               as palavras «velhas» mas com uma «técnica nova». E foi aí que eu me apercebi do
               quanto o caminho a seguir se poderia aproximar do da aprendizagem de uma
               língua estrangeira em que, apesar dos termos parecerem os inversos – uma téc-
               nica «velha» para emitir palavras «novas» –, se requer espírito aberto e decidido e
               um certo gosto pelo desafio e pelo jogo. E, aí, eu estava no meu campo e podia
               ajudar. Tentei (tentámos) afincadamente várias soluções e posturas, e, apoiado
               pela terapia da fala que desde muito cedo vem praticando, o meu marido con-
               segue hoje uma prestação vocal muito satisfatória. Sei que cada caso é um caso
               e que não há receitas infalíveis, mas posso deixar-vos aqui algumas das observa-
               ções e requisitos que fui colhendo dessa longa e excitante caminhada que pode
               ser essa da reconstrução da fala. Podem agrupar-se em quatro vetores principais,
               tal como as quatro folhas do trevo da sorte:
                     1.  Para começar – Tome consciência das razões por que se encontra nes-
                        se ponto. uma ou várias causas levaram-no até aí, mas já não é altura
                        de as julgar. Aceite e siga em frente. Pense que vai mergulhar de ca-
                        beça num esforço a tempo inteiro, evitando as quebras, os adiamen-
                        tos, as (falsas) desculpas, as fintas e as «fitas». Isto é um jogo a sério e
                        você é capaz de o jogar (já o jogou uma vez, em criança, e ganhou;
                        lembra­se?). Encontre parceiros, aceite conhecer, contactar e interagir
                        com quem esteve ou está na mesma situação; escolha um terapeuta;
                        forme a sua equipa.
                     2.  Para estar em campo – Saia da sua zona de conforto. Você está a pra-
                        ticar um exercício constante, exigente, difícil, diferente, incomum; mas
                        esse exercício é gratificante, porque o está a praticar pela vida. Con-
                        centre-se naquilo que é verdadeiramente importante, faça escolhas e
                        aceite que o seu campo de atenção vai ter de ser reduzido e o seu
                        tempo de comunicação vai ser mais lento. Pense no que quer dizer e
                        não complique: diga uma coisa de cada vez e simplifique os termos em
                        que o faz, sobretudo no início. Não tenha pressa. Com o tempo, verá
                        que pode ir compondo mais o discurso. Não contorne as dificuldades
                        porque elas só desaparecerão se as enfrentar e se encontrar, por si e
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