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118 Quero, logo falo
Todas estas angustiantes dúvidas aumentam logo depois da cirurgia, quan-
do despertamos da anestesia e nos confrontamos com a dura realidade de não
conseguirmos dizer uma palavra que seja. Ainda por cima, essa é uma limita-
ção que imaginamos ser para toda a vida. «Correu bem?», «quero água» ou «te-
nho dores» – nenhuma destas frases nos sai; nem um som conseguimos emitir.
A comunicação é feita por gestos e pelo que vamos escrevendo num papel. Os
profissionais, experientes como são, entendem-nos bem; mas os familiares e ami-
gos ficam todos a olhar para nós sem perceber o que lhes queremos transmitir,
como se fossem surdos e não nos ouvissem. Quantas vezes desejamos não ter
ninguém a visitar-nos!
Mas os dias vão passando e, a pouco e pouco, percebemos que a comu-
nicação não é feita apenas através da voz e que, mesmo sem ela, os outros nos
começam a entender pelos gestos, pelas nossas expressões, pelos nossos lábios.
Quando a convalescença acaba e nos dizem que está na hora de aprender a falar
pelo esófago e/ou pela prótese que nos colocaram, nós ganhamos outro ânimo
– próprio de quem já passou a primeira fase desse longo processo –, mas carre-
gados de dúvidas sobre se vamos conseguir falar de novo, se vamos ser capazes
de reaprender, como todos os que o conseguiram. Falar pelo esófago? Falar com
uma prótese? Como? Como acreditar numa coisa de que nunca ouvimos falar?
Os primeiros dias, as primeiras tentativas, os primeiros treinos são deses-
perantes e frustrantes. Não nos sai uma letra, um som, uma palavrinha. Nada! Es-
forçamo-nos e nada! E dizem-nos «Insista, insista, insista que vai ser capaz». Nós
insistimos e nada; quebramos, desmoralizamos, apetece-nos desistir. Até que um
dia, poucos dias depois de começarmos a terapia, sem sabermos porquê, sem que
nada de diferente tenha acontecido, ouvimo-nos a dizer «Ba, be, bi, bo, bu, ta,
te, ti, to, tu»… A partir desse momento, estaremos sempre a progredir, cada vez
mais e melhor: novos sons, novas letras, novas palavras, novas frases. Consegui-
mos reaprender a falar. Tinham razão os que nos diziam que seríamos capazes.
A pouco e pouco, ganhamos confiança e à vontade; queremos ser nós a
ir aqui e acolá tratar dos nossos assuntos, dizer o que desejamos ou precisamos;
queremos falar, falar, falar… dentro de casa e fora dela. Com uma voz nossa, di-
ferente; não tão bonita como a antiga, mas nossa, que se acrescenta à nossa per-
sonalidade; uma voz própria, como todas as outras pessoas têm uma.
Se foi recentemente sujeito a uma laringectomia total, acredite e confie. Vai
ser capaz. Só precisa de uma coisa: de treinar, treinar e treinar; sem nunca desis-
tir, sem quebrar, com ânimo e determinação, dia após dia, muitos dias, todos os