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110 Quero, logo falo
assim como os cheiros mais intensos de perfumes ou de cozinhados, como re-
fogados ou «estrugidos» (expressão usada na Beira Alta). Mas a verdade é que
deixei de ser capaz de sentir cheiros que me acompanharam durante as fases da
vida anteriores à cirurgia, e que sempre considerei particularmente agradáveis:
o cheiro das flores, do mar, da terra molhada, do mosto, da erva cortada… Em
contrapartida (e esse é o lado positivo), também se perde grande parte da inten-
sidade dos odores desagradáveis, dos maus cheiros.
Abro um parêntesis para assinalar um outro fator positivo que, no meu
caso, resultou da intervenção cirúrgica a que fui sujeito. Refiro-me ao desapa-
recimento da apneia do sono e da roncopatia. Sofri gravemente de apneia do
sono, com as conhecidas consequências de um sono perturbado e da sobrecar-
ga do coração. Isto sem falar nos efeitos colaterais de sucessivas noites de sono
não-reparador, bem notórias no adormecimento durante o dia, por exemplo, em
frente da televisão; e não é necessário enfatizar os grandes riscos em que incorri
durante a condução em longas viagens de automóvel. Assaltado por uma sono-
lência quase irresistível, valia-me o facto de minha mulher conduzir, pelo que
muitas foram as vezes em que lhe entreguei o volante. Infelizmente, só cerca de
dois anos antes da laringectomia comecei a utilizar a máscara SPAP, que me foi
prescrita na consulta do sono e à qual me adaptei com muita facilidade. Ao in-
suflar-me ar nos pulmões (porque é essencialmente um ventilador), permitiu-me
voltar a ter um sono descansado e retemperador.
A perda da capacidade de sopro constitui uma outra limitação sensível. O
seu efeito negativo consiste no facto de me impedir de soprar as velas do bolo
de anos. Em contrapartida, costumo assinalar um efeito positivo: sou dispensa-
do de soprar no balão durante as operações stop.
Senti igualmente algumas alterações no paladar, tendo passado a evitar
sabores mais agressivos. Nunca tendo sido um apreciador de bebidas alcoólicas,
muito em especial das mais fortes, o certo é que, com a operação, a própria cerveja
passou a saber-me mal. Em contrapartida, nunca gostei tanto de doces e de bolos
quanto hoje. Também passei a preferir os pratos de peixe às ementas de carne,
sendo que a dificuldade de mastigação a que já me referi contribui para isso.
Além do mais, continuo, como é compreensível, a ter dificuldades com
as secreções que entopem a prótese e/ou a cânula fonatórias. Este facto pode
causar tosse ou contribuir para uma maior dificuldade respiratória, além de obri-
gar, por vezes, a procurar um ambiente mais reservado para limpar a cânula.
Quanto a isto, a grande ajuda consiste em inalar ar húmido de modo frequente