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               fazia ideia de como utilizar um rolo de pintura, pedi pela primeira vez um pa-
               pel e um lápis e escrevi como devia fazer (certamente, devido às drogas que me
               tinham injetado…). As primeiras horas no quarto também não foram más, ape-
               sar dos tubos que saíam do corpo e dos rolos de chumaços à volta do pescoço.
                     Pouco tempo depois as coisas começaram a complicar-se. Comecei a to-
               mar consciência de que a minha respiração – isto é: a minha vida – estava de-
               pendente de um buraco que, artificialmente, me tinham aberto no pescoço e
               me parecia muito frágil e sensível. Em seguida, anunciaram-me que devia «fazer
               atmosfera húmida»; foi a primeira vez que deparei com esta expressão. Alguma
               dificuldade em respirar com o tubo da «atmosfera» levou-me a rejeitá-lo. Foi uma
               má decisão, e eu sofri as consequências.
                     Reitero a falta de informação com que vivia na altura. As enfermeiras fa-
               ziam tudo o que podiam para me ajudar e informar, mas seria a elas que com-
               petia essa missão? Se tivesse sabido da utilidade da «atmosfera» na eliminação
               dos «rolhões» que tinha no sistema respiratório, e como isso me iria ajudar, teria
               evitado muitos sustos e muito mal-estar.
                     Por causa da má decisão que referi acima, tive de voltar à clínica depois de
               ter tido alta, para «fazer atmosfera» e «ser aspirado». Precisei de ter um aspirador em
               casa e de «fazer atmosfera» durante muito mais tempo do que teria sido necessário.
               De manhã e à noite, as sessões de aspiração eram um tormento, tanto para mim
               quanto para a minha mulher, condenada a ser a «aspiradora». No entanto, a saí-
               da de enormes «rolhões» provocava-me um alívio e um bem-estar indescritíveis.
                     Após a cirurgia, tive uma complicação urinária. Durante quatro meses,
               estive algaliado. Era muito doloroso retirar a algália e voltar a colocá-la, o que
               aconteceu várias vezes. Quando me submeti a uma raspagem da próstata, a nor-
               malidade das funções regressaram.
                     Todas as noites, tenho um ritual que consiste em retirar a cânula para a
               lavar. Ao princípio, esta rotina era feita sob enorme tensão nervosa, talvez por
               um receio inconsciente de não poder voltar a colocá-la e, como consequência,
               ter dificuldades respiratórias. No início, utilizei um gel para facilitar a colocação;
               depois, apliquei vaselina líquida. Atualmente, molho a cânula e o estoma, sendo
               isso o suficiente para não ter problemas. Porém, confesso que ainda hoje sinto
               por vezes um «apertozinho» ao efetuar o «tratamento».
                     Durante bastante tempo, utilizei uma cânula «clássica» tubular da Atos Me-
               dical Provox, com uma cassete filtrante e uma fita à volta do pescoço, para segu-
               rar a cânula. Tomar duche implicava pôr uma proteção à volta do pescoço para
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