Page 133 - LPCC-Quero Logo Falo
P. 133

132                                                    Quero, logo falo




               imediatamente um carcinoma basaloide escamoso do seio piriforme (vulgo, can-
               cro na laringe).
                     Entre as diversas soluções propostas, a laringectomia total era a mais drás-
               tica, mas porventura a que tinha mais resultados, se tudo corresse bem.
                     A 19 de novembro de 2007 (data que recordo por ter sido o dia em que
               fiz 30 anos de casado com a Maria Armanda), o médico informou­nos que, se eu
               optasse pela laringectomia total, deixaria de respirar pelo nariz, passaria a respi-
               rar pelo traqueostoma (orifício no pescoço) e perderia a voz. No entanto, teria
               algumas hipóteses de poder voltar a «falar».
                     A perda da voz é uma experiência traumatizante, não só para nós mas tam-
               bém para a nossa família e os nossos amigos. Para a superar, temos de recorrer à
               linguagem, não direi gestual, mas sim expressiva – e fundamentalmente à escrita.
                     Nos primeiros tempos, a estabilidade emocional é bastante afetada, ori-
               ginando situações de incompreensão e incomunicabilidade entre os mais próxi-
               mos, que só serão superadas com apoio da família e dos amigos, imprescindíveis
               para uma possível recuperação.
                     Por outro lado, deparamos com situações frustrantes e difíceis de ultra-
               passar, as quais nunca tínhamos sequer pensado que poderiam acontecer. Eis
               dois exemplos:
                     •  O laringectomizado, quando está sozinho em casa e alguém toca à
                        campainha, tem de abrir a porta sem puder perguntar quem lá está;
                     •  Quando a cancela do estacionamento do supermercado não abre, não
                        é possível chamar o segurança pelo intercomunicador.


                     Os telefones, fixos e móveis, deixaram de me ser acessíveis por via oral. A
               única maneira de eu tentar superar estas questões é a reabilitação vocal. Tenho
               procurado fazê-lo através da terapia da fala, uma vez mais incentivado e provoca-
               do pela família e pelos amigos, que me obrigam a fazer os exercícios recomenda-
               dos, como ler duas a três páginas de um jornal por dia ou um livro «em voz alta».
                     Para me obrigarem a falar, quando eu pretendia alguma coisa, as pesso-
               as nem sequer olhavam para mim, para ver se eu conseguia emitir algum som.
                     O processo não foi fácil, mas deu resultados. um dia de manhã, numa
               das minhas rotinas, fui à tabacaria do meu bairro comprar o jornal e saudei a
               empregada com um «bom dia». Ao que a senhora respondeu: «Bom dia, senhor
               Côdea, ouvi muito bem». Passados mais ou menos seis meses, emiti o primeiro
               som audível e percetível. A partir de então, com a inexcedível ajuda da terapeuta
   128   129   130   131   132   133   134   135   136   137   138