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imediatamente um carcinoma basaloide escamoso do seio piriforme (vulgo, can-
cro na laringe).
Entre as diversas soluções propostas, a laringectomia total era a mais drás-
tica, mas porventura a que tinha mais resultados, se tudo corresse bem.
A 19 de novembro de 2007 (data que recordo por ter sido o dia em que
fiz 30 anos de casado com a Maria Armanda), o médico informounos que, se eu
optasse pela laringectomia total, deixaria de respirar pelo nariz, passaria a respi-
rar pelo traqueostoma (orifício no pescoço) e perderia a voz. No entanto, teria
algumas hipóteses de poder voltar a «falar».
A perda da voz é uma experiência traumatizante, não só para nós mas tam-
bém para a nossa família e os nossos amigos. Para a superar, temos de recorrer à
linguagem, não direi gestual, mas sim expressiva – e fundamentalmente à escrita.
Nos primeiros tempos, a estabilidade emocional é bastante afetada, ori-
ginando situações de incompreensão e incomunicabilidade entre os mais próxi-
mos, que só serão superadas com apoio da família e dos amigos, imprescindíveis
para uma possível recuperação.
Por outro lado, deparamos com situações frustrantes e difíceis de ultra-
passar, as quais nunca tínhamos sequer pensado que poderiam acontecer. Eis
dois exemplos:
• O laringectomizado, quando está sozinho em casa e alguém toca à
campainha, tem de abrir a porta sem puder perguntar quem lá está;
• Quando a cancela do estacionamento do supermercado não abre, não
é possível chamar o segurança pelo intercomunicador.
Os telefones, fixos e móveis, deixaram de me ser acessíveis por via oral. A
única maneira de eu tentar superar estas questões é a reabilitação vocal. Tenho
procurado fazê-lo através da terapia da fala, uma vez mais incentivado e provoca-
do pela família e pelos amigos, que me obrigam a fazer os exercícios recomenda-
dos, como ler duas a três páginas de um jornal por dia ou um livro «em voz alta».
Para me obrigarem a falar, quando eu pretendia alguma coisa, as pesso-
as nem sequer olhavam para mim, para ver se eu conseguia emitir algum som.
O processo não foi fácil, mas deu resultados. um dia de manhã, numa
das minhas rotinas, fui à tabacaria do meu bairro comprar o jornal e saudei a
empregada com um «bom dia». Ao que a senhora respondeu: «Bom dia, senhor
Côdea, ouvi muito bem». Passados mais ou menos seis meses, emiti o primeiro
som audível e percetível. A partir de então, com a inexcedível ajuda da terapeuta