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            [disseram-me]: “Esteja descansado, vai sair de lá a falar!”. Até se perceber alguma
            coisa passou algum tempo; é precisa muita paciência e persistência. As sessões
            de terapia eram, para os participantes, um local de encontro das frustrações, das
            angústias, mas também das expetativas de cada um. Simultaneamente, tornaram-
            -se, através da disponibilidade das terapeutas, uma fonte de aprendizagem sobre
            a melhor forma de conviver com as barreiras agora existentes, e assim se criou
            o ambiente de motivação tão necessário naquela fase».
                  De facto, a terapia da fala é um desafio à persistência de cada um, mas é
            também um convite a uma espécie de socialização diferente: «Há outros como
            eu!». Há lições a apr(e)ender, experiências a partilhar.
                  Isso mesmo é referido por Manuel Bolas: «Por esse tempo, na aldeia de
            Palhais, [situada no] Barreiro, onde na altura eu vivia, conheci dois “colegas” de
            infortúnio. Quem diria? Numa localidade tão pequena! Ainda partilhámos algu-
            mas experiências, se é que se pode chamar “partilhar” a uma linguagem quase
            só reduzida à mímica…». E anota, referindo os seus mais característicos inter-
            locutores: «A comunicação com os outros continua a ser o maior obstáculo e,
            neste particular, encontramos todo o tipo de pessoas: desde aqueles que pura e
            simplesmente se recusam a entender-nos – e cada vez que isso acontece é uma
            derrota pessoal – até àqueles que fazem um esforço para compreender: “Descul-
            pe, pode repetir?”. Este é um pormenor muito interessante, porque na repetição
            somos forçados a pronunciar as palavras com mais cuidado e mais lentamente.
            Felizmente, alguns pormenores correram bem desde o princípio. A minha mu-
            lher, que tem alguns problemas de audição (“Tens de falar mais alto”), os meus
            filhos e até a minha neta sempre me compreenderam, e até consigo manter com
            eles pequenos diálogos ao telefone. O mesmo acontece com a minha médica de
            família, em serviço na uSF do Barreiro e que, sendo ucraniana, teria mais difi-
            culdade no entendimento de uma linguagem a que se poderia chamar “atípica”;
            tem sido extraordinária no apoio que me tem dado».
                  Mas há também o MovApLar, o movimento solidário que se empenha no
            acompanhamento qualificado dos laringectomizados, procurando aplanar-lhes
            o caminho, resolvendo-lhes as dificuldades e minorando-lhes, dentro do possí-
            vel, a angústia e a ansiedade. Foi o seu bem-fazer que levou Manuel Bolas aos
            seus convívios: «A convivência com outros laringectomizados também foi motivo
            pelo qual passei a frequentar as reuniões mensais da MovApLar – secção da Liga
            Portuguesa Contra o Cancro dedicada a este tipo de doentes, cujos responsáveis
            estão sempre prontos para ajudar todos aqueles que vão chegando ao “universo
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