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               atenuava. Começou uma longa sequência de consultas médicas; não me recor-
               do quantas foram, mas sempre saía delas sem um diagnóstico ou com um diag-
               nóstico “pacífico”: “Não encontro nada” ou “Tem refluxo gástrico”. As receitas
               foram das mais variadas e originais: tratamentos em termas, terapia da fala, tra-
               tamento do refluxo, entre outros etc… A acrescentar à rouquidão começaram
               as crises de falta de ar e algumas idas às urgências dos hospitais. Se tivesse que
               contar as peripécias por que passei, escreveria um romance… […] Até que, após
               passar uma noite na urgência do hospital da CuF, ouvi: “Há aqui qualquer coi-
               sa…”. Daí até à consulta no IPO foi uma questão de poucos dias: “Já não pode
               sair daqui, está sujeito a ficar no meio da rua, as cordas vocais estão no limite!”.
               Fui de imediato conduzido à enfermaria, onde aguardei. Decorria nessa altura o
               campeonato mundial de 2010, e, talvez entre dois jogos, fiquei com um buraco
               na garganta e uma cânula para respirar. A biópsia seria feita dentro de dois dias
               e logo veio a sentença: cancro na laringe”.
                     Daqui nasce a grande chamada de atenção: aos primeiros sintomas, esco-
               lha-se um otorrino oncologista. E quanto mais cedo, melhor. Porque muitos dos
               diagnósticos se revelam tardios, provavelmente por não serem casos de cancro
               tão frequentes como outros ou por os primeiros sintomas serem muito atípicos,
               comuns às mais correntes afeções orofaríngeas ou atribuíveis também ao refluxo
               esofágico. Porém, não se esqueça também o álcool e o tabaco.
                     A cirurgia não tem alternativa e assusta porque, com a ablação da la-
               ringe, «mata» a voz. Nélia Sirgado conta assim o que se passou com o seu pai:
               «Sempre estive ao lado dele e o apoiei. E no dia em que a fantástica Dr.ª L. lhe
               disse “Senhor Francisco, ou continua a falar e está mais uns tempos com a sua
               família (mas provavelmente não será muito) ou fazemos a cirurgia, perde a voz,
               mas estará mais tempo ao lado dos seus”, ele olhou para mim à espera de uma
               decisão; com um enorme sorriso nos lábios, mesmo que às vezes chorasse por
               dentro, eu disse: “Tem de ser. Perdes a voz, mas não tem problema. Aprende-
               mos a comunicar juntos de outra forma”. E assim foi».
                     A cirurgia é, de facto, muito invasiva, e tem de se estar preparado para
               isso. Mas é vital, e o doente apercebe-se disso. Sente-o na carne, e o que há a
               fazer é conquistar a sua confiança e incutir-lhe a convicção de que, mesmo de-
               pois dela e com um número assaz reduzido de procedimentos, ele poderá ser
               autossuficiente e poderá manter uma vida independente.
                     João Victor conta-nos o seu caso: «Acordei já no recobro. Por sinal, bem-
               -disposto, com a consciência de que, a partir de então, tudo seria diferente. Não
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