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               e difícil de suportar pelas queimaduras na pele». Trata-se porém de uma espécie
               de «acabamento» da cirurgia, que visa destruir células cancerosas que possam ter
               escapado à ablação da laringe. É um dos procedimentos utilizados para preve-
               nir recidivas por proliferação de células malignas eventualmente remanescentes.
               No entanto, acende-se neste ponto uma luzinha otimista: os tecidos atingidos e
               o ponto de incidência tumoral são moderadamente irrigados, pelo que o risco
               de metastização é considerado menor do que em cancros de outro tipo e com
               outras localizações. Há por isso que suster a todo o custo e por todos os meios
               – e a radioterapia é um deles – a expansão das células doentes.
                     Mas, e o que dizer da fala, essa grande sacrificada? Há os que, na impos-
               sibilidade física de uma reabilitação ou reconstrução da fala, se conformam e
               seguem em frente, como testemunha Nélia Sirgado, referindo-se ao caso do seu
               pai: «Na realidade ele ficou sem som, mas sempre se fez “ouvir”. Nos últimos sete
               anos que esteve sem poder falar, para ele e para a família e amigos era algo que
               não fazia a mínima diferença, de tal forma que por vezes parecia que o ouvia.
               O ser humano habitua-se a tudo; basta ser forte, aceitar e acreditar. […] Tornou-
               -se tão normal que até de lado já lhe conseguia ler nos lábios. Se alguém não o
               percebia, ele não tinha problema nenhum: tinha sempre um bloco pequeno no
               bolso, uma caneta e escrevia. Tudo normal».
                     Mas há aqueles que apostam forte numa reaprendizagem, seguindo afin-
               cadamente uma terapia da fala. Diz José Joaquim: «Iniciei então a terapia, sem
               surpresas porque tinha comigo um livro sobre ela, uma obra notável sobre te-
               rapia da fala (escrita por um laringectomizado). Comecei bem. […] Já comecei
               a falar ao telefone, mas aí o caso é mais complicado. Ao telefone não é preciso
               falar alto, mas qualquer ruído de fundo dificulta a comunicação, pois o tom de
               voz é muito baixo. A minha mulher, devido ao hábito, entende-me perfeitamen-
               te, assim como alguns amigos com quem me encontro quase diariamente. Falar
               para quem não me conhece é mais complicado, porque a maioria das pessoas,
               ao ouvir a minha voz roufenha, parte do princípio de que não me compreende,
               e assim não se chega a conclusão nenhuma. Ainda continuo a fazer terapia para
               melhorar mais alguma coisa, e continuarei até que me digam que já não necessito
               [dela]. Seria injusto não falar das terapeutas da fala, que fazem todos os esforços
               para nos porem a falar, a homens de todas as idades, estratos sociais e motiva-
               ções diferentes, alguns bastante traumatizados pela cirurgia. Bem hajam por isso!».
                     Com Manuel Bolas foi assim: «Fui encaminhado para fazer terapia da fala,
               no Departamento de Fisioterapia, dentro do IPO. Não ia muito animado mas
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