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138 Quero, logo falo
Por razões de segurança, fiz radioterapia. Deveria ser um tratamento sem
problemas, mas no meu caso não foi isso que aconteceu. Para imobilizar a ca-
beça durante o tratamento, é utilizada uma máscara feita à medida da cara num
material plástico perfurado e com grandes buracos para o nariz, olhos e boca.
Essa imobilização da cabeça provocava-me um pânico inexplicável. Consegui
aguentar as sessões com ajuda de medicamentos que me deixavam completa-
mente atordoado.
Como laringectomizado, sinto que o cirurgião é o «anjo» que nos salva a
vida «roubando-nos» a palavra, e que o terapeuta da fala é o «anjo» que nos ajuda
a voltar a comunicar e assim a reencontrar uma vida quase normal. Mas não só.
No meu caso, a terapeuta da fala, pela sua experiência, pelo seu conhecimento
de casos semelhantes, pelo seu profissionalismo e pela sua gentileza, ajudou-
-me a ultrapassar a falta de apoio psicológico especializado. Bem-haja por isso,
e bom seria que todos tivessem uma ajuda semelhante.
No início, excluí todas as soluções para tentar «falar», preferindo a fala
esofágica e o indispensável apoio do papel e do lápis. Infelizmente, aquela exi-
ge muito esforço e muito treino e, confesso, sou extremamente preguiçoso para
esses exercícios – o que quer dizer que os progressos foram desesperadamente
lentos. Após a cirurgia, e durante bastante tempo, limitei-me a utilizar o papel e
o lápis sem procurar emitir qualquer som.
Volto a repetir que o fator psicológico tem, na minha opinião, um peso
enorme em todo o processo de «pré» e «pós» cirurgia. Infelizmente, esse aspeto é
praticamente ignorado em Portugal. «Cada caso é um caso», mas tenho a certeza
de que este apoio faria toda a diferença na recuperação da laringectomia total.
Tal apoio tem de ser realizado por profissionais com experiência nestes casos.
De facto, se o laringectomizado tiver de juntar aos seus problemas a dificuldade
de comunicação com o psicólogo, a terapia será altamente prejudicial.
O trauma originado pelo sofrimento pode não se manifestar imediata-
mente após a cirurgia. Pode surgir bastante tempo mais tarde, quando a vida,
aparentemente, retomou um ritmo normal, tendo sido encontrada uma nova
maneira de viver.
Depressa percebi que com algumas pessoas me entendiam facilmente,
enquanto o papel e o lápis eram indispensáveis com outras. Estas situações pre-
judicam a autoestima.
Com o tempo fui percebendo que a diferença entre os «bons entendedo-
res» e os «maus entendedores» é uma questão de sexo: as mulheres percebem