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                     Por razões de segurança, fiz radioterapia. Deveria ser um tratamento sem
               problemas, mas no meu caso não foi isso que aconteceu. Para imobilizar a ca-
               beça durante o tratamento, é utilizada uma máscara feita à medida da cara num
               material plástico perfurado e com grandes buracos para o nariz, olhos e boca.
               Essa imobilização da cabeça provocava-me um pânico inexplicável. Consegui
               aguentar as sessões com ajuda de medicamentos que me deixavam completa-
               mente atordoado.
                     Como laringectomizado, sinto que o cirurgião é o «anjo» que nos salva a
               vida «roubando-nos» a palavra, e que o terapeuta da fala é o «anjo» que nos ajuda
               a voltar a comunicar e assim a reencontrar uma vida quase normal. Mas não só.
               No meu caso, a terapeuta da fala, pela sua experiência, pelo seu conhecimento
               de casos semelhantes, pelo seu profissionalismo e pela sua gentileza, ajudou-
               -me a ultrapassar a falta de apoio psicológico especializado. Bem-haja por isso,
               e bom seria que todos tivessem uma ajuda semelhante.
                     No início, excluí todas as soluções para tentar «falar», preferindo a fala
               esofágica e o indispensável apoio do papel e do lápis. Infelizmente, aquela exi-
               ge muito esforço e muito treino e, confesso, sou extremamente preguiçoso para
               esses exercícios – o que quer dizer que os progressos foram desesperadamente
               lentos. Após a cirurgia, e durante bastante tempo, limitei-me a utilizar o papel e
               o lápis sem procurar emitir qualquer som.
                     Volto a repetir que o fator psicológico tem, na minha opinião, um peso
               enorme em todo o processo de «pré» e «pós» cirurgia. Infelizmente, esse aspeto é
               praticamente ignorado em Portugal. «Cada caso é um caso», mas tenho a certeza
               de que este apoio faria toda a diferença na recuperação da laringectomia total.
               Tal apoio tem de ser realizado por profissionais com experiência nestes casos.
               De facto, se o laringectomizado tiver de juntar aos seus problemas a dificuldade
               de comunicação com o psicólogo, a terapia será altamente prejudicial.
                     O trauma originado pelo sofrimento pode não se manifestar imediata-
               mente após a cirurgia. Pode surgir bastante tempo mais tarde, quando a vida,
               aparentemente, retomou um ritmo normal, tendo sido encontrada uma nova
               maneira de viver.
                     Depressa percebi que com algumas pessoas me entendiam facilmente,
               enquanto o papel e o lápis eram indispensáveis com outras. Estas situações pre-
               judicam a autoestima.
                     Com o tempo fui percebendo que a diferença entre os «bons entendedo-
               res» e os «maus entendedores» é uma questão de sexo: as mulheres percebem
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